As Highlands da Escócia

As Highlands são as raízes da Escócia tradicional que conhecemos: a gaita de foles, o kilt em seus padrões de xadrez, a língua gaélica de origem celta, os clãs e sua famigerada rebeldia.

A Escócia pode ser dividida genericamente em duas partes significativamente diferentes: as Lowlands (terras baixas), caracterizadas pelo relevo de planície e pela cultura mais próxima à inglesa, incluindo a língua, e as Highlands (terras altas), plenas de montanhas e vales belíssimos e um povo cuja origem étnica é celta, que ostenta uma cultura própria totalmente peculiar.

Glencoe, emblemático local da identidade highlander

A história da formação da Escócia explica essas diferenças tão marcantes. As Lowlands foram sistematicamente invadidas pelos ingleses nas guerras pelo controle do país, que nem sempre atingiam a região montanhosa. Nas Highlands, os clãs – as tradicionais famílias dos proprietários de terra e do poder político – tinham melhores condições de se isolar do invasor inglês, protegidos pela geografia e pelo clima severo do norte do país. Esse isolamento reforçou a identidade e preservou a cultura de um povo que, com seu legado, caracteriza hoje a Escócia que todos queremos encontrar quando a visitamos.

Castelo Urquhart, no Loch Ness

As tribos celtas que deram origem a essa cultura, acredita-se, são um misto dos descendentes dos primeiros habitantes das ilhas britânicas e de imigrantes que vieram da Irlanda, atravessando o mar. São famigerados guerreiros desde a invasão romana da Britânia, há dois mil anos, quando aconteceram os primeiros relatos históricos de sua existência e de sua capacidade invencível de resistir aos invasores vindos do continente. Os Pictos, como os romanos os chamaram, porque lutavam pintados de azul, fizeram que o Império desistisse de conquistar o que hoje é a Escócia.

A tradição da gaita de foles nasceu nas Highlands escocesas

Essa tradição guerreira se manteve, entranhada com lutas pelo poder e eventuais alianças com os ingleses, bem como derrotas, consolidando os glens – os vales de propriedade dos clãs – onde agricultura e criação de gado (incluindo as famosas vacas peludas das terras altas) e, principalmente, ovelhas provia sustentabilidade econômica.

Castelo de Eilean Donan, em Kyle of Lochalsh

A última guerra empreendida pelos highlanders foi também a última guerra civil no Reino Unido, a revolução Jacobita. Os clans das Highlands se juntaram em torno do Bonnie Prince Charlie para reivindicar seu direito à sucessão do trono inglês, contra a dinastia Hannover que havia sido escolhida pelo parlamento britânico. Invadiram a Inglaterra e chegaram quase a tomar Londres, desistindo de avançar já próximos da capital por falta de coesão entre seus líderes. Logo a reação do exército real liquidou a revolta na batalha de Culloden, em 1746, aniquilando as forças escocesas e iniciando um processo de transformação econômica, cujo resultado foi a quase erradicação da cultura highlander, chamado de “Highland clearances”. As propriedades foram tomadas, os cultivos e rebanhos confiscados, o uso do kilt proibido e seus habitantes praticamente obrigados a emigrar. Foi assim que os escoceses formaram sólidas comunidades nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Bonnie Prince Charlie By Allan Ramsay – nationalgalleries.org, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=31304144

A cultura highlander foi reabilitada, curiosamente, pelo rei da dinastia Hannover George IV, em 1822, quando visitou Edinburgh vestindo um kilt. O rei era fã da literatura do escocês Walter Scott, que romantizou e tornou populares as tradições das Highlands, tendo decidido visitar a Escócia também por essa razão. Nessa época 9 em cada 10 escoceses residiam nas Lowlands. Ainda hoje as Highlands são uma das regiões da Europa com menor densidade demográfica. O tartan – o tecido de lã nos padrões de xadrez agora típicos das Highlands – se tornou popular no mundo inteiro. O Highlandism foi assumido pelos escoceses como sua identidade, contando com um enorme reforço da Rainha Victoria em seu interesse pelo país e sua cultura. O whisky foi transformado na bebida nacional, mais um traço marcante da identidade escocesa, com mais de 30 destilarias das Highlands elaborando maltes puros, que costumam nomear suas marcas com o nome do glen onde são produzidos, como Glenmorangie, Glenturret e Glencadam.

Um típico loch das terras altas escocesas

Essa história deixou rastros magníficos, como as tradições highlanders, inúmeros castelos em ruínas emblemáticas, locais históricos de batalhas sangrentas, sítios arqueológicos esplêndidos e a maior quantidade de áreas produtoras de whisky do país. O degelo no final da última era glacial também deixou marcas notáveis, esculpindo algumas das mais belas paisagens do mundo. Tanto quanto as tradições, a sua geografia com suas montanhas e lochs – como o lago Ness – são deslumbrantes e inesquecíveis.

Leia também…