Qual o significado de Stonehenge?

Stonehenge é um dos mais conhecidos monumentos do mundo, mas ainda provoca a compreensão das pessoas sobre seu significado. A interpretação dos primeiros curiosos especulava que era a criação de uma estrutura estática construída por druidas obscuros, anterior à invasão romana da Britânia. Muito mais do que isso, é o resultado cumulativo de numerosas gerações, impregnadas por conexões culturais complexas espalhadas pela Europa, mudanças ambientais e crenças.

Solstício de verão em Stonehenge

Um henge é um termo cunhado pelo antiquário Thomas Kendrick, ex-curador do British Museum, em 1932. Refere-se essencialmente a um espaço em formato de anel definido por um fosso ou um aterro. Embora quase sempre essas estruturas contenham um círculo – de pedra, troncos ou metal – indica o perímetro que o circula em vez de seu conteúdo, normalmente considerado um espaço ritualístico e sagrado para os povos que os construíram entre 4.000 e 5.000 anos atrás.

Como foi construído

Stonehenge, um henge de pedra, foi construído na planície de Salisbury porque ali era, desde 6.000 AC, uma área de clareiras em comparação com o entorno de florestas densas. A região também possui marcas geológicas no terreno deixadas pela era glacial e o derretimento das geleiras, alinhadas aos solstícios, que influenciaram os povos da época com inspirações cósmicas.

Essa história começa milênios antes que os primeiros traços de Stonehenge tomem forma, no final da Era do Gelo. Aquilo que viria a ser a Grã-Bretanha eram terras geladas e inóspitas, abandonadas há muito pelos primeiros humanos que já haviam estado ali. Há 15.000 anos a temperatura começou a subir e destemidos caçadores-coletores se aventuraram cruzando a pé o que viria a ser o Canal da Mancha (English Channel), antes que as águas do Mar do Norte inundassem a passagem, ao redor de 8.000 anos atrás. Essa ponte com a Europa continental era também passagem de rebanhos de cavalos, cervos e bisões, que motivaram inicialmente expedições sazonais de caça e logo o estabelecimento das primeiras comunidades nômades, que começaram a deixar marcas permanentes na paisagem.

Na planície de Salisbury, a 250 metros do local da construção da primeira fase de Stonehenge que aconteceria 5.000 anos depois, o povo mesolítico ergueu um conjunto de postes de madeira, cujos vestígios foram descobertos em 1966. Não se sabe se eram usados como referências de localização ou se eram totens esculpidos, mas é a primeira evidência do reconhecimento do lugar como especial, desde antes da Grã-Bretanha se tornar uma ilha.

Há cerca de 6.000 anos uma nova migração cruzou o Canal da Mancha trazendo novas e transformadoras ideias e tecnologias para a ilha, incluindo a domesticação de animais, o cultivo agrícola e a produção de cerâmica, associadas ao período neolítico. A adoção da agricultura levou a assentamentos permanentes e ao fornecimento estável de alimentos, com a consequente mudança de modelo mental, onde a propriedade passava a significar um território a ser defendido, animais que deviam ser protegidos e novas concepções de identidade e status relacionadas às posses. Os britânicos neolíticos agora habitavam um mundo material, investindo em estruturas que significavam um estilo de vida menos nômade e onde seus bens não se limitavam mais ao que podia ser facilmente carregado.

Em torno de 3.000 AC, quando as primeiras pirâmides começavam a ser construídas no Egito, as bluestones – pedras azuis – foram transportadas do País de Gales por cerca de 350 km, trazendo as pedras de seu lar ancestral em West Wales, nas Preseli Hills em Pembrokeshire, para uma nova terra, a planície de Salisbury. A importância dessas pedras para esse povo está na sua origem, na montanha próxima ao céu e seu significado religioso. Uma façanha de peregrinação, construção e engenharia.

Pedras sagradas são encontradas em vários assentamentos neolíticos da Europa

Este primeiro monumento não é apenas um lugar de encontro e de cerimônias, mas também um cemitério, onde foram localizados de 150 a 200 pessoas enterradas nessa época, nos montes artificiais do entorno de Stonehenge que são locais de sepultamentos neolíticos. Os objetos identificados nesses túmulos revelam a diversidade de origens e possíveis crenças das pessoas que migraram para Wiltshire. Conexões com Yorkshire, o norte da Escócia e o legendário monumento de Newgrange na Irlanda são demonstradas por eles.

Em torno de 2.500 AC a fase das pedras Sarsen introduz a forma do monumento que reconhecemos hoje e sua conexão com a astronomia. São os grandes blocos de pedra encaixados que formam os icônicos trilithons, trazidos de uma pedreira local da área de West Woods, em Marlborough Downs, 28 km ao norte de Stonehenge.  As bluestones são movidas para um novo arranjo dentro do círculo das majestosas pedras Sarsen.

Os alinhamentos com os solstícios de verão e inverno revelam a importância de marcar a passagem das estações para as primeiras comunidades consolidadas de agricultores nas ilhas britânicas, identificando no tempo eventos chave como o plantio e a colheita de seus cultivos, a fertilidade de plantações e animais e os rituais festivos e religiosos relacionados. Cada vez mais são reveladas evidências que a configuração final do monumento tinha a finalidade prática de marcar a passagem do tempo ao longo do ano.

O sol nascente no solstício de verão

A idade do metal inicia nessa mesma época, em torno de 2.500 AC, quando o ouro começa a se destacar em ornamentos e peças simbólicas atreladas à cosmologia, belas, elegantes e portáteis. A migração do chamado povo Beaker, originado nos Países Baixos, para as ilhas britânicas é um marco na idade do metal, outra grande mudança 1.500 anos depois da introdução da agricultura. Estão conectados à criação de objetos de bronze e a um novo tipo de sepultamento onde os indivíduos são realçados, na forma de valiosos objetos pessoais que são enterrados junto aos corpos de seus proprietários. A época também é marcada por descobertas de tumbas de pessoas extraordinárias, vindas de locais distantes como os Alpes, trazendo novas tecnologias, conhecimentos, crenças e cultura. Ser sepultado em Stonhenge era cada vez mais um sinal de status, reforçando uma conexão religiosa com o lugar.

The World of Stonehenge

A exibição The World of Stonehenge, no British Museum até 17 de julho de 2022, é a primeira a ser apresentada em Londres sobre o legendário monumento. Stonehenge é apresentado como um ponto de conexão para explorar as comunidades e civilizações relacionadas à sua construção e evolução entre os anos 4.000 e 1.000 AC, um período de mudanças culturais e tecnológicas dramáticas e conexões distantes que transformaram a sociedade para sempre.

Considerando o conhecimento mais atual disponível, a exposição examina as mudanças culturais e sociais que caracterizaram o mundo de Stonehenge, passando pela introdução da agricultura e do desenvolvimento do uso dos metais. Desde os primeiros monumentos nas British Isles em torno de 4.000 AC até a era de conectividade e comércio com a Europa continental entre 1.500 e 800 AC, uma história fascinante é contada.

Conexões com costumes ancestrais da Europa continental

Muitas conexões entre práticas religiosas e crenças das comunidades espalhadas pela Grã-Bretanha, Irlanda e a Europa continental foram estabelecidas através de novos estudos dos enigmáticos e lindos objetos que foram produzidos e circularam durante a era de Stonehenge. A descoberta de novos monumentos, como o círculo de madeira Seahenge, revelado em uma praia de Norfolk em 1998, reforçam as evidências sobre as ideias compartilhadas por essas gerações de humanos.

O círculo de Seahenge, destaque da exibição

Cerca de 2.500 AC os círculos de pedra e as tumbas megalíticas começam a perder importância como expressão da visão cósmica desses povos diante de objetos mais portáteis, como o icônico Nebra Sky Disc descoberto na Alemanha, um disco de bronze com ilustrações folheadas a ouro representando o sol, a lua crescente e a constelação das plêiades. É um dos objetos mais extraordinários da exibição. Essa tendência trouxe consigo novas ideias relacionadas à identidade, práticas religiosas e relacionamento entre os vivos e os mortos.

Nebra Sky Disk @BritishMuseum

O que aconteceu com Stonehenge? Talvez novos deuses tenham substituídos os deuses de Stonehenge, ou antigos rituais foram tão alterados que perderam seu sentido. Até quem sabe a fertilidade da terra se esgotou e os deuses não respondiam mais aos antigos ritos ou as pessoas simplesmente se afastaram de Stonehenge.

Diferentes cultos se sucedem como as gerações. Mas quando pensamos em nossa relação com o mundo natural e como corrigir os graves desequilíbrios que nós mesmos criamos, o exemplo de Stonehenge e as pessoas que o viram como um lugar de equilíbrio entre a vida e o que acontece após a morte, entre o céu e a terra e o mar, entre o celestial e o comunal, é algo que pode valer a pena revisitar e entender, mesmo que esteja cada vez mais distante de nosso tempo.

Essa é uma exibição extraordináia. Quase dois terços dos objetos expostos são empréstimos que vem de 35 instituições de todo o Reino Unido, República da Irlanda, França, Itália, Alemanha, Dinamarca e Suíça. A maioria nunca havia sido exibida no UK. Não importa o quanto você acha que conhece Stonehenge por visitar o monumento e seu museu – imperdíveis –, The World of Stonehenge é uma atração tão abrangente e envolvente que se torna uma oportunidade única que talvez nunca mais se repita.

A exibição é a confirmação de que monumentos como Stonehenge não podem ser compreendidos de forma isolada. Stonehenge nunca foi uma estrutura monolítica e estática. Ao longo de gerações foi adaptado e transformado por comunidades que mudaram e desenvolveram o cenário físico e cultural onde ele permanece até hoje.

Do curador da exposição Neil Wilkin:

“Eu gostaria de dizer que realmente toda geração tem o Stonehenge que merece ou deseja. Esperamos que, se você vier à exibição ou se você já veio, que você saia com um sentido do que esse Stonehenge significa, o que Stonehenge e aqueles tempos significam para você. Para nós, é um sentido de criatividade e imaginação que nos inspira. Nós pensamos que há algo que podemos aprender enquanto avançamos para o futuro, do povo que construiu esse extraordinário monumento e dos vários objetos que são mostrados na exibição.”

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